20 anos de Sudoeste: saudades do que não volta ser.


O agora comercialíssimo festival Sudoeste, ou Meo Sudoeste, ou Meo TMN Sudoeste, ou lá como raio se chama agora, fez no passado mês de Agosto vinte anos de existência. Vinte anos! Estou ligeiramente em choque porque eu, ainda um teenager imberbe, cheio de sonhos e com uma fartíssima cabeleira afro, estive presente na primeira edição.
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Para quem não sabe, ou pura e simplesmente não se recorda, nas suas primeiras edições o festival tinha um cartaz variado em termos de estilos musicais, e tive o privilégio a assistir a enormes concertos de música pesada, e não só. Marilyn Manson, Ratos de Porão, Sepultura, Korn, Therapy?, Sonic Youth, The Cure, entre tantos outros, levaram ao delírio um público que se deslocava ao lindo Alentejo mais pela música do que pela experiência em si. Porquê? Porque se hoje em dia existem inúmeros pontos de diversão, de venda de comida, de higiene, entre tantas outras infraestruturas que dão um conforto bastante interessante aos que o frequentam, na primeira edição as coisas eram ligeiramente diferentes...

O que vos vou contar é a minha experiência na primeira edição do festival.
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Quatro amigos, com estilos muito diferentes, resolveram rumar ao festival. À chegada pode-se logo constatar que o próprio público era muito eclético, havendo uma grande afluência de uma certa tribo que, diríamos nós, a última vez que tomou banho foi quando lhes choveu dentro da carrinha. Mais tarde provou-se que assim era.
 
A dita “área de campismo” estava aberta a qualquer um que se deslocasse até à herdade da casa branca. Tratava-se simplesmente de um pinhal selvagem. E por nós tudo bem!
Foi interessante chegar à dita zona de “campismo” e ver uma faixa enorme, com letras descomunalmente grandes onde se podia ler “Vende-se droga”. E isso levou-me a pensar: “Olha que bom. Não trouxe medicamentos nem a bomba da asma, e ali devo-me conseguir desenrascar.”
Lá encontrámos um lugar relativamente bem colocado perto de uma árvore. Pena o mar de pedras e raízes salientes que nos pressionavam furiosamente as costas todas as noites, e em pontos estratégicos, o que se tornava especialmente doloroso. Foi quase como se o pinhal, furioso por receber toda aquela população de carácter duvidoso se estivesse a revoltar, ou então foi “apenas” a nossa estupidez por não limparmos convenientemente o local!
 
Quando o estômago anuncia a hora de comer agradecemos o facto de irmos carregados de comida, visto existir apenas dois pontos de venda de produtos alimentícios: Um que vendia cachorros de aspecto duvidoso, e um visionário que assava frangos de tamanho “S” nas imediações do festival, e os vendia ao preço de caviar. Apesar disso a nossa alimentação nesses dias foi variada como mandam as regras, e degustámos de iguarias como salsichas enlatadas com grão, grão com salsichas enlatadas, grão ao natural com pedaços de salsichas, e ainda salsichas enlatadas com pedaços de salsichas enlatadas. Grão com grão não comemos! Mas somos animais, ou quê?! “Mas ninguém levou outra coisa qualquer? Atum, por exemplo?”, oiço perguntar. Sim! Mas não sei se foi do pó, ou dos ventos que vinham da Farmácia improvisada que de quando em vez nos chegavam, mas quatro cabecinhas leram apenas a data de fabrico e interpretaram como data de validade, e então….bem! Não quero falar mais nesse episódio. Obrigado!
 
E eis que vamos finalmente para o recinto dos concertos!
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À entrada, um dos meus amigos diz-nos que a mãe improvisou, a partir de um tecido grosso verde, uma espécie de lenço que teria como finalidade ser colocado sobre a boca, tal como vemos os ladrões usarem nos westerns, e proteger-nos, embora de uma forma muito rudimentar, do pó que se poderia fazer sentir. Escusado será dizer que houve risota geral, um ligeiro massacre de piadas até…. ao primeiro mosh! A nuvem de pó cobria o palco, entranhava-se nos nossos pulmões e queimava as nossas narinas. Dois segundos depois todos estávamos com uns bem “fashion” lenços verdes tropa sobre a boca e nariz, e quem foi realmente ridicularizado de seguida, sabem bem quem foi! Santa pessoa que nos salvou. Se passei um mês a tossir, imagino como teria sido sem proteção. Para além disso, e não há forma bonita de dizer isto os, “macacos” que se formavam nas nossas lindas pencas eram de um tal volume e cor, que certamente asfixiaríamos à noite se não fossem retirados, sempre da forma mais higiénica possível, claro! Hoje em dia ainda suspeitamos que esses….”macacos” possuíam algum tipo de inteligência e planeavam executar-nos assim que tivessem hipótese. Eu acredito que cheguei a ver o cérebro de um! Ou seria parte do meu?
 
Numa época sem telemóveis, e numa zona de “campismo” sem qualquer iluminação, encontrar num tenebroso labirinto de tendas a nossa habitação provisória, era uma tarefa Hercúlea teria de ser feita em equipa. Por isso, perdermo-nos nos concertos antes de combinarmos um ponto de encontro, era algo que nunca poderia acontecer. E nunca suspeitámos que pudesse acontecer… até os Blur tocarem “song 2”, todo o público entrar numa espécie de “circle of death” gigante, com o pó que se levantava a poder ser visto à noite a quilómetros de distância. E se nos encontrámos no meio desse mosh (talvez os lenços verdes tenham ajudado), conseguíamos encontrar qualquer coisa, em qualquer lugar! Ou assim pensávamos. Quase que entrámos em algumas tendas que não eram as nossas, e nenhuma, mas nem uma (!!!) estava ocupada por raparigas esbeltas que pediam a nossa companhia! Era bem mais fácil encontrarmo-nos no meio de milhares de pessoas aos saltos com a visibilidade reduzida devido ao pó, do que encontrar a tenda.
 
Dormir. Ou melhor: dormir? Esse não verbo não se conjugava. Abdicámos contra vontade desse luxo. Se tinha piada estarmos acordados até bem tarde, constantemente rodeados de algazarra? No início sim. Se tinha piada uns aborígenes tocarem uns batuques que pareciam ecoar no nosso cérebro, toda a santa noite, com o mesmo ritmo? Mas sempre, sempre, sempre com o mesmo ritmo? Não! Quando finalmente os sons tribais paravam, alguém passava pelas tendas e abanava-as enquanto gritava alto e em bom som “alvorada”! Conta a lenda que se preparou um batalhão de fuzilamento e se procedeu uma caça ao homem, mas nunca ouvi tiros. Talvez os tenham torturado com batuques.
Se numa situação normal, quatro homens juntos, rabujenbtos, têm a tendência a impropérios, imaginem o nosso estado de espírito após dias de privação de sono. Penso que só após o duche é que saíam palavras que podiam ser ditas em horário nobre na televisão.
 
Ora bem, duche! Mal acordados e com pó até aos ossos, era hora de procedermos à higiene pessoal. De início não encontrámos os chuveiros. “Devem estar para aqui”, mas não vislumbrávamos cabines, nem uma estrutura qualquer que se assemelhasse a uma zona de duches. Nada! Até que percebemos o porquê. Plantado no meio de uma clareira, rodeado por tendas, estava uma calha pendurada com 6 aberturas. Sem divisórias, claro, e sem espaço para nos ensaboarmos sem nos acotovelarmos com alguém. "Ok… é desgin", pensámos nós. Mais uma vez nenhuma bela rapariga trocou mimos de cotovelos connosco. Com o passar dos dias os “chuveiros” iam falhando, e via-se cada vez menos pessoas a tentar fazer a sua higiene. Nesta fase apenas olhávamos com mais interesse para as raparigas que víamos na fila do banho, ou a chegar às tendas vindas do banho. Eram poucas. Muito poucas…
 
Se hoje as casas de banho de festival são o que sabemos, com um rácio de vá, assim de cabeça, 500 pessoas por WC…… Pois. Exacto. Bem sei que nesta fase não seria necessária qualquer descrição adicional, mas vou fazê-la! Para mim há um limite. E o limite é o tampo da sanita. Se o conteúdo, seja “nº1” ou “nº2”, que é para lá despejado ultrapassa esse limite… Não contem comigo. Uma das técnicas era esperar que as cabines fossem limpas, estar no 1º lugar da fila, e depois atacar com toda a vontade um WC acabado de limpar. Nunca o consegui fazer. Foram três dias em que o “nº2” não foi efectuado. Chegado a casa e pesando-me antes, e depois do acto, descobri que perdi meio quilo. 

Imagem relacionada As condições eram miseráveis, mas o cartaz, o espírito do festival, e principalmente o espírito de amizade que fazia sentir tanto entre o meu pequeno grupo, como entre o resto dos festivaleiros de então, tornou a primeira edição num evento memorável.
Ficam as recordações de quem se foi aventurar num Sudoeste em estado embrionário, mas com muito mais essência que este “novo” sudoeste que se baseia em concertos gravados em “pens”.

 
Despeço-me limpo, sem pó, e orgulhoso utilizador de Wc’s limpas:
O Homem da Motoserra.
 
 

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